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Uma via para o desenvolvimento de práticas ESG em pequenas e médias empresas

Como as empresas pequenas, médias e não listadas podem desenvolver práticas ESG?

Sofia Caccuri
Cristina Tamaso

Quando a Camila Seixas, liderança ESG no Infra Women Brazil, colocou o desafio de publicar um artigo sobre ESG para o site do IWB, coloquei-me à disposição no segundo seguinte. Fico muito feliz em poder compartilhar algumas ideias junto com a minha sócia, Cristina Tamaso.

As cartas anuais de Larry D. Fink, Chariman e CEO da Blackrock foram nos últimos anos um “chamado” à ação: “O propósito não é um mero slogan ou campanha de marketing; é a razão fundamental de uma empresa. É o que ela faz todos os dias para gerar valor para as partes interessadas. O propósito não é só a busca pelo lucro, mas é a força motriz para conquistá-lo.”[1] Dando sequência a esse chamado, em 2020, o boom do ESG tomou conta e virou notícia recorrente no mercado financeiro: diversas empresas começaram a divulgar metas no que tange à diversidade, governança e sustentabilidade.

O crescimento da preocupação é extremamente essencial, mas o principal risco, em nossa opinião, é o estabelecimento de métricas que não estejam alinhadas ao cerne da companhia e que não requeiram comprometimento interno.  Outro risco são atitudes não coerentes com os compromissos propostos ou até mesmo metas somente para ter os benefícios econômicos do ESG, o greenwashing

Desde 2015, foram emitidas, por empresas brasileiras, 121 dívidas com métricas ESG que totalizam BRL 43,7 bilhões de acordo com levantamento realizado pela Sitawi Finanças do Bem,[2] e o crescimento tem sido muito importante desde 2019 (+241% entre 2019 e Junho/2021).

Por outro lado, entre 2015 e junho 2021, as emissões de renda fixa[3] no mercado de capitais brasileiro totalizaram BRL 1,4 trilhões[4], ou seja, menos de 3,50% das dívidas receberam algum tipo de etiquetagem verde.

Ao analisar essa simples amostra de dados, vemos que ainda existe um espaço muito grande para que as empresas possam mostrar compromissos claros com o meio ambiente e a sociedade via suas emissões de dívida.

Nesse sentido, vale relembrar três modalidades de emissões que podem ser utilizadas, como apresentado na publicação do Mattos Filho intitulada ESG Títulos Temáticos:

  • Títulos Verdes: títulos cuj a destinação de      recursos é atrelada a projetos ou ativos que proporcionem benefícios ambientais
  • Títulos Sociais: títulos cuja destinação de recursos foca em projetos que possam mitigar problemas sociais e/ou atingir determinados benefícios sociais
  • Títulos Sustentáveis: títulos cujos recursos são voltados para uma combinação de projetos que apresentem ganhos ambientais somados a projetos que apresentem benefícios sociais

As modalidades de títulos apresentadas acima podem ser incluídas em quaisquer títulos de dívida com possibilidade de identificação do recurso obtido.

Existem também títulos vinculados a metas ESG específicas,      identificados como Sustainability Linked Bond e Títulos de transição (“rótulo voltado a empresas emissoras de carbono e que não estão aptas a receber o selo verde, mas que estão      justamente buscando financiar sua gradual transição rumo a uma operação ambientalmente sustentável.”)[5]

Como vimos nos parágrafos anteriores, existem diversos formatos para que uma empresa emita um título temático: por meio de seu negócio de atuação, por questões de Governança,      pelo respeito/desejo de preservar o meio ambiente, ou por uma combinação de todos esses ângulos. Existem outras formas de desenvolver ESG dentro de uma empresa? Claro que sim! Mas, na nossa visão, tentar entender os títulos temáticos, buscar métricas que sejam aderentes ao core business da empresa e seguir à risca a proposta são ótimas formas de promover internamente uma cultura integrativa e até mesmo de começar a desenhar/aprimorar políticas ESG.

Ressaltamos que aqui nos referimos ao universo das empresas que fazem parte de nosso cotidiano na Quasar: empresas que muitas vezes  não listadas  que possuem auditoria e ainda estão estruturando suas políticas de governança e sustentabilidade.

Nenhuma empresa é capaz de estruturar e implementar uma política ESG coerente e completa da noite para o dia, mas é preciso começar para seguir existindo. Cada vez mais, o que é uma exceção se tornará a regra e as empresas que não forem extremamente transparentes com seus investidores não terão mais espaço.

Por onde começar? Se a sua empresa não tem uma área de sustentabilidade, tenha a certeza de que, se você lançar o desafio, pelo menos alguém vai levantar a mão…e assim se começa.  Aos poucos,  surge uma pessoa dedicada e depois uma área inteira. Lance o desafio! Se ninguém levantar a mão, pode nos avisar, podemos contar a nossa história e como essa semente foi plantada na Quasar. Quem sabe essa narrativa       pode ajudar?! 

Hoje a Sitawi Finanças do Bem possui uma plataforma pública onde  divulga boa parte dos relatórios emitidos por consultorias ligadas  à sustentabilidade[6] como Resultante, DNV, ISS, Sustainalytics, Bureau Veritas. Listamos a seguir critérios      importantes para que as emissões estejam alinhadas aos Green Bonds Principles[7] (GBP), Climate Bonds Standards[8] e outros princípios ligados à sustentabilidade.    

  • O setor de atuação, os projetos e os ativos da sua empresa podem ser considerados sustentáveis?
  • Qual será o uso dos recursos de dívidas que estão sendo captados?
  • A emissão e os usos estão alinhados  com a estratégia da empresa?

Ainda no sentido da transparência e da promoção de    cooperação entre os diferentes entes da economia, sugerimos que bancos, empresas, gestoras de recursos, publiquem suas ferramentas de análise ESG. Nossa intenção é publicar todas as ferramentas utilizadas pela Quasar e nos colocarmos à       disposição para maiores esclarecimentos e contribuições. Citando o artigo da Capital Reset: O mapa da mina: 9 passos para o Brasil avançar em finanças sustentáveis: “É preciso harmonizar a divulgação socioambiental no setor financeiro como um todo      para reduzir assimetrias de informações sobre riscos e limitar o greenwashing.”

O Brasil está extremamente atrasado no entendimento de tais questões e mais ainda na adoção destas métricas. Acreditamos que  o principal agente para transformar esse  cenário é o mercado financeiro.  Por isso  a Quasar se preocupa em estabelecer as metas ESG para as nossas estratégias de gestão. Em um mercado onde a maior parte das empresas representa       empresas com “donos” majoritários, há algumas maneiras de       criar a cultura ESG, como: investidores valorizarem empresas responsáveis e penalizarem empresas com menor engajamento no que tange transparência, sustentabilidade, diversidade e governança

E para termos o engajamento dos investidores é importante definir métricas  bem estabelecidas, permitindo que o investidor possa distinguir possíveis casos de Greenwashing. O Science Based Targets Initiative (“SBTi”) é um exemplo de organização que nasceu para definir parâmetros de compromissos corporativos para a zeragem de emissão de carbono. Além de trabalhar para definir parâmetros claros, tem o propósito de ajudar empresas no estabelecimento de metas e planos para que possam atingir os compromissos.  É claro que não basta anunciar metas agressivas em um horizonte de 20 anos, as empresas precisam saber como chegar lá e definir com transparência os compromissos intermediários que assumirão.

O SBTi ainda trabalha para definir esses padrões para alguns setores da economia, mas será uma ferramenta importante para ajudar o investidor a fazer suas escolhas de investimentos. Novas iniciativas estão surgindo para as demais frentes do ESG, além do que se refere à sustentabilidade.      No Brasil, instituições como a Resultante, a Sitawi, a Bureau Veritas, entre outras, já trabalham para assessorar empresas no desenvolvimento de negócios que integrem as questões ambientais, sociais e de governança em seus processos de decisão.

Colocamos questões para a reflexão de quem está lendo este artigo, não da empresa da qual ela faz parte:

  • Quanto lixo você gera? Produtos de limpeza alternativos, filtros, shampoos em barra ajudam muito a reduzir o consumo de plástico, e não necessariamente custam mais caro. Ex: produto de limpeza geral da Positiva e Shampoo em barra da Bob.
  • Quanto do lixo que você gera é separado para reciclagem? Se você faz a separação, já analisou o quanto do seu lixo separado é de fato reciclado?
  • Você precisa de tudo que compra? Já comprou roupa de segunda mão? Já olhou as linhas mais sustentáveis das marcas fast fashion (que fique claro para os críticos de plantão que isso não resolve, mas pelo menos ajuda)
  • Que percentual da sua renda você destina para causas sociais?
  • Você não compra legumes orgânicos porque são caros, mas se esbalda em aplicativo de entrega?
    Já fez a conta de quantas pessoas pretas tê     m na empresa que você trabalha, no seu Linkedin, instagram?
  • Quantas vezes, ao invés de reclamar, você agradeceu por ter comida e um teto para morar? Quantas vezes vocês se preocuparam com o sofrimento do outro e fizeram algo para ajudar?

Por fim, mas não menos importante nesta reflexão:

  • Se você faz investimentos, já analisou em que empresas está investindo? Se preocupou em saber o processo produtivo dela? Se preocupou em entender o histórico do management?

Para ilustrar a importância da pergunta acima, um exemplo muito simples e palpável é o do Primeiro Título Verde da Fazenda da Toca, um CRA de BRL 25 milhões. Em seu parecer independente[9], a Sitawi detalha com rigor o uso dos recursos da dívida e mostra com clareza as boas práticas da Fazenda da Toca, sendo elas: fornecer às aves      uma ração balanceada e adequada à      sua idade fisiológica, manter esses animais       em espaços maiores que os exigidos pela Certifed Humane, livres de medo e estresse.

Como apresentamos ao longo do artigo, existem diversas formas para melhorar a realidade em que vivemos, depende apenas de cada um de nós: “Se meu olhar muda, o mundo muda.” Basarab Nicolescu


Sofia Caccuri – Com 11 anos de experiência, foi da área de Project Finance da XP Investimentos. Anteriormente, trabalhou na Echoenergia como Gerente de Project Finance e no BTG Pactual na área de Risco de Crédito, por 6 anos, com foco nos setores de energia e infraestrutura. Graduada em Administração de Empresas pela FGV EAESP, possui Certificate in Corporate Finance pela Columbia Business School.

 

Cristina Tamaso – Com mais de 12 anos de experiência em Project Finance nos setores de Infraestrutura, atuou por 6 anos na Odebrecht Transport focada em estruturação e reestruturação dos projetos de rodovias, portos, aeroportos e mobilidade urbana. Antes disso, ficou 5 anos no Project Finance do Itaú BBA atuando em diversos setores. Graduada em Administração de Empresas pela FGV EAESP com MBA pela Johnson School Cornell University.

 

[1] https://www.blackrock.com/br/2019-larry-fink-carta-ceo

[2] https://docs.google.com/spreadsheets/u/1/d/e/2PACX-1vRDp7Z82Qovj9VuupGGQGSiBi66hQPdRL5ucb6kZ80HyjtQtVjjtf7Qekh99_DVs2FRG-8ADHE05ASP/pubhtml

[3] Debêntures, Notas Promissórias, Letras Financeiras, CRA, CRI, FIDC e FII

[4] https://www.anbima.com.br/pt_br/informar/relatorios/mercado-de-capitais/boletim-de-mercado-de-capitais/emissoes-domesticas-registraram-volume-de-r-370-bilhoes-em-2020.htm

[5] https://www.capitalreset.com/selo-verde-para-termica-a-gas-mais-ou-menos-debenture-da-eneva-pode-sair-como-titulo-de-transicao/

[6] https://docs.google.com/spreadsheets/u/1/d/e/2PACX- 1vRDp7Z82Qovj9VuupGGQGSiBi66hQPdRL5ucb6kZ80HyjtQtVjjtf7Qekh99_DVs2FRG-ADHE05ASP/pubhtml?urp=gmail_link

[7] https://www.icmagroup.org/assets/documents/Regulatory/Green-Bonds/Green-Bonds-Principles-June-2018-270520.pdf

[8] https://www.climatebonds.net/standard

[9] https://spositawi.s3-sa-east-1.amazonaws.com/20210510+Fazenda+da+Toca.pdf