Cidades inteligentes e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: oportunidades para o próximo mandato municipal
- Áurea Regina E. S. F. de Carvalho[1]
- Marcela de Oliveira Santos[2]
O ano de 2021 já está de vento em popa e mais um ciclo de mandatos municipais se inicia. Serão quatro anos repletos de desafios, especialmente diante das consequências sociais e econômicas da pandemia. Por outro lado, os eventos recentes trazem também a reflexão sobre a necessidade de olhar para o futuro, com políticas públicas comprometidas com o longo prazo. Longo prazo, futuro… isso nos remete a um dos conceitos mais falados ultimamente, e muitas das vezes de forma inapropriada: cidades inteligentes.
Mas afinal, o que é uma cidade inteligente?
Embora não exista um conceito único de cidades inteligentes, podemos identificar os seguintes elementos associados: fatores tecnológicos, fatores institucionais e fatores humanos.
Os fatores tecnológicos referem-se à infraestrutura, considerada o conjunto de estruturas físicas envolvendo tecnologias de informação e comunicação para interligar e conectar sistemas e serviços na cidade. É nesse pilar que se insere a Internet das coisas (IoT), modo como os objetos físicos estão conectados e se comunicando entre si e com o usuário, a partir de sensores inteligentes e softwares que transmitem dados para uma rede.
Os fatores intuicionais referem-se à forma de gestão e de organização institucional da cidade com o objetivo de se alcançar um crescimento inteligente. Nesse pilar, questões como a governança, a institucionalidade do poder, os arranjos cooperativos e as parcerias entre o setor públicos e os agente privados são os pontos centrais.
Os fatores humanos estão ligados ao desenvolvimento individual de cada cidadão e dos cidadãos coletivamente considerados, para que possam contribuir para a melhoria da cidade que habitam. Uma cidade inteligente pressupõe mecanismos arrojados de participação e de exercício da democracia.
Podemos, ainda, identificar seis dimensões das cidades inteligentes: governança inteligente, pessoas inteligentes, moradia inteligente, mobilidade inteligente, maio ambiente inteligente e economia inteligente. Aliando os fatores com as dimensões acima descritas, as cidades inteligentes podem ser enxergadas da seguinte forma:
Fonte: Adaptado de Rucinska e Knezova (2010).
O foco do conceito é a inteligência e a tecnologia a serviço das pessoas. Portanto, reduzir o conceito de cidades inteligentes a projetos específicos, como parcerias público-privadas de iluminação pública e fibra ótica, representa uma perda de oportunidade de construir cidades melhores. Uma cidade verdadeiramente inteligente é aquela que faz uso estratégico de infraestrutura e serviços e de informação e comunicação integrado com planejamento e gestão urbana, com foco em gerar alto valor aos cidadãos e dar resposta às demandas sociais e econômicas da sociedade.
A recém-divulgada Carta Brasileira de Cidades Inteligentes, documento lançado pelo Governo Federal que objetiva traçar as estratégias para apoiar municípios e demais agentes nas ações locais para a construção de cidades inteligente, alinha-se a esta visão mais completa, ao definir cidades inteligentes como “as cidades comprometidas com o desenvolvimento urbano e a transformação digital sustentáveis, em seus aspectos econômico, ambiental e sociocultural, que atuam de forma planejada, inovadora, inclusiva e em rede, promovem o letramento digital, a governança e a gestão colaborativas e utilizam tecnologias para solucionar problemas concretos, criar oportunidades, oferecer serviços com eficiência, reduzir desigualdades, aumentar a resiliência e melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas, garantindo o uso seguro e responsável de dados e das tecnologias da informação e comunicação.”[3]
O conceito de desenvolvimento sustentável é central para uma visão completa das cidades inteligentes: sua definição clássica provém do relatório Nosso Futuro Comum (1987), emitido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, em que “desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a habilidade das futuras gerações atenderem às próprias necessidades”[4]. A esta definição foram agregados três pilares na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento conhecida como RIO-92: meio ambiente, economia e equidade, tendo este terceiro sido atualmente incrementado para o conceito de desenvolvimento social.
Se por um lado esta definição pareça a um primeiro olhar simples e talvez óbvia, ela carrega em si um conflito intergeracional denso, que é refletido cotidianamente nas escolhas dos gestores municipais quando, por exemplo, antecipam investimentos por meio de financiamentos, objetivando a prestação de serviços a seus cidadãos. Tais investimentos devem ser motivados por trazerem incremento das atividades de forma a trazer benefícios aos usuários atuais e futuros, cabendo minucioso olhar para a perenidade de seus resultados.
Para tornar palpáveis os desafios da agenda de desenvolvimento, ao longo das últimas décadas, metas e compromissos vêm sendo estabelecidos entre países, com o estímulo, suporte e coordenação de entidades multilaterais. Se hoje os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODSs, trazidos pela da Organização das Nações Unidas para até 2030, estão em grande parte das discussões de políticas públicas nacionais e de práticas de governança social e ambiental (conhecidas como ESG)[5], o estabelecimento de agendas comuns entre as nações não é novidade e vem evoluindo nas últimas décadas. Basta rememorar as Metas do Milênio, para 2000, as Metas Globais para o Desenvolvimento Sustentável, para 2015 e agora os ODS, para 2030.
Assim, destacamos alguns ODSs com objetivo de evidenciar como políticas públicas relacionadas ao alcance destes têm intrínseca relação com o desenvolvimento sustentável dos indivíduos que compõem as cidades.
OBJETIVO 1 | Integrar a transformação digital nas políticas, programas e ações de desenvolvimento urbano sustentável, respeitando as diversidades e considerando as desigualdades presentes nas cidades brasileiras |
OBJETIVO 2 | Prover acesso equitativo à internet de qualidade para todas as pessoas |
OBJETIVO 3 | Estabelecer sistemas de governança de dados e de tecnologias, com transparência, segurança e privacidade |
OBJETIVO 4 | Adotar modelos inovadores e inclusivos de governança urbana e fortalecer o papel do poder público como gestor de impactos da transformação digital nas cidades |
OBJETIVO 5 | Fomentar o desenvolvimento econômico local no contexto da transformação digital |
OBJETIVO 6 | Estimular modelos e instrumentos de financiamento do desenvolvimento urbano sustentável no contexto da transformação digital |
OBJETIVO 7 | Fomentar um movimento massivo e inovador de educação e comunicação públicas para maior engajamento da sociedade no processo de transformação digital e de desenvolvimento urbano sustentáveis |
OBJETIVO 8 | Construir meios para compreender e avaliar, de forma contínua e sistêmica, os impactos da transformação digital nas cidades |
Ao longo do trabalho da Frente de Projetos Municipais, alguns ODSs serão destacados, mas por ora objetivamos ressaltar como a compreensão do conceito de desenvolvimento sustentável, como um todo, deve ser alicerce para o estabelecimento de cidades verdadeiramente inteligentes.
Desejamos que os novos mandatários municipais persigam a agenda dos ODSs percebendo-a como um norte de prioridades que privilegiam a equidade social e geracional, compreendendo tanto os desafios de curto prazo, quanto os de longo prazo. A Carta Brasileira para Cidades Inteligentes pode ser um bom ponto de partida. Não é tarefa fácil, e é por isso que nos dispomos a apoiar as gestões municipais, com a discussão e análise de temas pertinentes a tais desafios, seja na Frente de Projetos Municipais, seja em toda a instituição Infra Women Brazil.
Referências:
Holcombe, S. H., & In Howard, M. (2019). Practicing development: Upending assumptions for positive change.
Carta Brasileira para Cidades Inteligentes. Disponível em: https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/desenvolvimento-regional/projeto-andus/carta_brasileira_cidades_inteligentes.pdf
RUCINSKA, S.; KNEZOVA, J. Development Planning Optimalization of the Kosice City in the Context of the Smart City and City Region Conceptions. Disponível em: http://www3.ekf.tuke.sk/cers/files/zbornik2014/PDF/Rucinska,%20Knezova.pdf
[1] Administradora Pública e Gerente de Estruturação de Projetos do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais – BDMG.
[2] Advogada atuante em Direito Público, Regulatório e Infraestrutura. Mestra em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo.
[3] Lançada 02/12/2020, pelos Ministérios do Desenvolvimento Regional (MDR), da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI) e das Comunicações, em parceria com a embaixada da Alemanha no Brasil, A Carta é um documento político organizado coletivamente para a construção de uma “estratégia nacional para cidades inteligentes” e expressa uma agenda pública brasileira sobre a transformação digital nas cidades do país e uso das tecnologias da informação no desenvolvimento de cidades melhores
[4] Livre tradução de “Sustainable development is development that meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs”” (Assembleia Geral da ONU, 1987, página 43).
[5] Sigla para Environmental and Social Governance.
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