Ana Rizzo
Débora Longo
Marjorie Iacoponi
Samanta S. Tavares de Souza
O Rio de Janeiro é um dos destinos brasileiros mais visitados por turistas nacionais e estrangeiros, com grande potencial econômico. Esse desenvolvimento econômico no Estado pode ser ainda mais alavancado pela implementação do maior projeto de infraestrutura em saneamento do país.
Realizada pela B3, no final de abril, o leilão de concessões da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), arrecadou R$ 22,62 bilhões, a serem compartilhados entre o governo estadual e os 29 municípios que participaram da licitação. O valor representa ágio de 134% sobre a outorga mínima prevista (R$ 9,7 bilhões para três blocos com 29 municípios).
Em regiões peculiares como esta, além dos aspectos técnicos, jurídicos e econômicos, é fundamental avaliar o impacto social do projeto. Nesse contexto, os critérios ambientais e sociais de governança, que integram o ESG (Environmental, Social and Corporate Governance), serão temas transversais para as empresas que assumirão os serviços, pensando na sustentabilidade financeira do contrato, governança e ações de relacionamento com seus stakeholders, em especial com os clientes e a comunidade.
Terá essencial importância abraçar os princípios corporativos que demandam uma posição proativa de comunicação, engajamento e relacionamento. Só assim os contratos caminharão de forma a atender as expectativas depositadas pela população, que tem urgência em receber serviços de qualidade.
Mas além da prestação dos serviços de fornecimento de água e tratamento de esgoto, quais oportunidades socioeconômicas e ambientais o edital está gerando para os usuários das comunidades carentes do Estado? O projeto também poderia estimular a geração de renda e a regularização fundiária nas comunidades, ainda que indiretamente?
Na nossa visão, o perfil e as características do edital da CEDAE abrem um enxoval de oportunidades para que Governo e concessionárias proporcionem uma vida digna aos usuários.
Com esse projeto, a sociedade e os clientes serão protagonistas dos novos editais e posteriormente, de novos operadores – uma massa populacional que sofre com a falta dos serviços, de moradia e renda adequadas. O relacionamento da concessionária com as comunidades contribui para a sustentabilidade do contrato, gerando empregos por meio da utilização de mão de obra local, desenvolvimento de fornecedores dos arredores, desenho e implementação de iniciativas em parceria com universidades, startups, agentes comunitários, organizações não governamentais e tantas mais.
No Brasil, os serviços de água e esgotamento sanitário são precários em várias regiões, expondo problemas que vão além de temas técnicos-operacionais. É necessário focar no lado social e colocar o cliente como centro de suas estratégias, ainda mais se tratando de um mercado monopolista e com “produto” essencial para a vida.
Empatia e colaboração podem embasar esse relacionamento e dessa conexão surgirão ideias inovadoras e disruptivas para tornar mais fácil, mais rápido e mais barato processos já existentes. Empresas de excelência deste século partem de uma visão positiva sobre o ser humano. Dotar esse pressuposto é a chave para construir uma organização baseada na confiança e transparência.
O direito dos cidadãos ao saneamento básico está estreitamente ligado ao direito à saúde, à moradia digna e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, todos garantidos pela Constituição Federal. Para que tais direitos sejam concretizados de forma concomitante, além de possibilitar o acesso a água e esgoto, os atores precisam assumir o compromisso de implementar a infraestrutura em comunidades vulneráveis, gerando renda, estimulando a economia local, a educação, a valorização imobiliária, o que viabiliza que as práticas de ESG sejam implementadas muito além do negócio principal.
Alinhado ao tema do usuário no centro da prestação de serviços, compartilhamos o exemplo do Programa Água Legal, da Sabesp, lançado em 2016, com o objetivo de levar água de qualidade a moradores da Grande São Paulo. O programa já atendeu cerca de 600 mil pessoas. Até 2024, a meta é realizar mais 110 mil conexões, beneficiando mais de 375 mil clientes. Além da saúde e conforto, o abastecimento regularizado combate às fraudes, ajuda na conscientização da população em relação ao uso da água e auxilia no combate aos vazamentos e perdas de água. Ter a ligação de água regularizada também gera um comprovante de endereço básico, por meio da conta de água, o que permite que o cidadão tenha acesso a certos serviços. O Água Legal é um programa premiado pela Rede Brasil do Pacto Global, da ONU. Outros exemplos incríveis são desenvolvidos por operadoras públicas e privadas no país que podem servir de inspiração e referência.
A implantação do projeto CEDAE é desafiadora: métodos inovadores serão necessários para superar os obstáculos sociais, políticos e de segurança pública. Caso acertem na estratégia de atuação, as empresas vencedoras do leilão terão a chance ímpar de transformar a vida de milhares de famílias brasileiras carentes de saúde, habitação, educação, e oportunidade de empregos. Isso porque o sucesso de um projeto de saneamento em áreas carentes depende diretamente da aproximação da comunidade com estratégias sociais que solucionem problemas antigos e ofereçam qualidade de vida e saúde à população.